Mesmo nós, acostumados com sua habitual agitação, estranhamos a inquietação do colega naquele recreio.
{ Ah, o recreio... Doce paraíso iniciado e terminado pelo mesmo som: uma sineta que soava como música no início e como alarme de ataque nuclear no fim. Quanta diferença num mesmo som!
Eram os 15 minutos que tínhamos para resenhar as novidades do colégio, conversar sobre nossas bandas favoritas e resolver todos os problemas do universo. Tudo isso enquanto jogávamos futebol com uma bolinha de tênis. 2 contra 2. Bancos servindo de goleiras. }
Eram os 15 minutos que tínhamos para resenhar as novidades do colégio, conversar sobre nossas bandas favoritas e resolver todos os problemas do universo. Tudo isso enquanto jogávamos futebol com uma bolinha de tênis. 2 contra 2. Bancos servindo de goleiras. }
Ele estava com a cara tensa. Parecia tentar engolir um pensamento muito amargo. Desatento para o real motivo de estarmos matriculados naquela escola: os 15 minutos diários de bola. Depois de acalmado o primeiro entrevero do jogo (foi gol, não foi / foi falta, não foi), numa pausa para água, ele desabafou: "Cara, descobri que John Lennon nasceu no mesmo dia do meu velho! Porra, que merda! Tchê, que injustiça!"
Quando a bola foi recolocada em jogo, o assunto - na verdade, um desabafo que não teve resposta, nem concordância nem contestação - morreu. Não sei quais caminhos tortuosos seu raciocínio percorreu para chegar à conclusão de que ele poderia (no seu entender, deveria) ser filho do John Lennon e de que seria mais feliz caso fosse.
Eu tinha dificuldade de entender esse rito de passagem: a superação do pai, conquista do espaço próprio, a planta que cresce fugindo da sombra das árvores à sua volta, buscando seu naco de sol... Já sem um pai contra o qual me insurgir, naquele tempo, eu até gostaria de um pouco de sombra.
Quando a bola foi recolocada em jogo, o assunto - na verdade, um desabafo que não teve resposta, nem concordância nem contestação - morreu. Não sei quais caminhos tortuosos seu raciocínio percorreu para chegar à conclusão de que ele poderia (no seu entender, deveria) ser filho do John Lennon e de que seria mais feliz caso fosse.
Eu tinha dificuldade de entender esse rito de passagem: a superação do pai, conquista do espaço próprio, a planta que cresce fugindo da sombra das árvores à sua volta, buscando seu naco de sol... Já sem um pai contra o qual me insurgir, naquele tempo, eu até gostaria de um pouco de sombra.
Tenho me lembrado com frequência daquele adolescente ao sul da América do Sul, nos anos setenta, transformando os normais entreveros entre pai e filho (posso, não pode / vou, não vai) num duelo com o destino. As desigualdades culturais entre Brasil e Inglaterra como pano de fundo para uma angústia provinciana.
Sabendo o que se sabe agora, eu poderia ter retrucado ao meu amigo: “Qual John Lennon?". O beatle foi um pai muito diferente para Julian e para Sean. Sequer foi um marido remotamente parecido para Cynthia e Yoko. Quanta diferença num mesmo ser!
Sabendo o que sei agora, eu poderia ter retrucado: "guarda tuas angústias pras coisas que podes escolher". Mas, naquela manhã, eu só sabia que, se fizesse um gol, voltaria suado mas feliz para a sala de aula.
bah: enquanto isso... John sempre será um dos meus 4 beatles favoritos.
(*)
bah: enquanto isso... John sempre será um dos meus 4 beatles favoritos.
1 abraço
25set2012