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Anticlímax - 69

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Este será um texto violento. E triste. Já aviso de saída para que os leitores com coração fraco busquem outras leituras: sites de notícias, por exemplo. Eu sei, eu sei, a vida está cheia de coisas violentas e tristes... mas fiquem tranquilos, os sites de notícias tratam de escondê-las sob grossas camadas de irrelevâncias, nonsense e exageros caricaturais. Celebesteiras e celebobagens no ar.

Ok, vamos (voltemos) ao triste texto. Que começa alegre:

É dito corrente que avós são pais com açúcar. Tios são quase isso: irmãos mais velhos com açúcar. É sempre divertida a relação com crianças, ainda mais sem a responsabilidade da paternidade. Bônus sem ônus.

Tive dois sobrinhos antes de ser pai. A chegada do primeiro foi uma boa desculpa para voltar a comprar brinquedos e comer algodão doce – ah, guloseimas no parque e brinquedos de plástico! Coisas que a gente só lembra que não acha tão boas depois de comprar.

Houve um natal em que resolvi presentear meu sobrinho com um aquário. Contato com a natureza, senso de responsabilidade no cuidado dos peixes e prazer estético ao vê-los, coloridos, flutuar: tudo isso cabe naquela caixa de vidro cheia de água. Para um tio neo-hippie, parecia um presente bem mais interessante do que os carrinhos, arminhas e super-heróis de sempre.

Confesso que, na loja, me surpreendi com a complexidade do presente. Parecia tão simples... Alimentar os peixes e manter a água limpa, na temperatura certa, talvez fosse algo complexo demais para a criança. Era provável que os pais me amaldiçoassem cada vez que tivessem que executar as tarefas que, certamente, sobrariam para eles.

Mas os peixes eram lindos e as ruas estavam cheias de papais-noéis. Espírito natalino no ar, noite feliz, tudo vai dar certo. Lá fui eu pra casa com aquário, pedrinhas, termostato, comida, não sei mais o quê e um saquinho com peixes de nome estranho que escolhi pela cor.  

Um aquário não é coisa que se embrulhe em papel e coloque embaixo da árvore de natal. Depois de fazer meu pequeno oceano funcionar num canto discreto da sala, escondi-o sob um lençol e esperei (ansioso como criança) a meia noite.

Após a entrega dos outros presentes (que não chegavam nem aos pés do meu pequeno mar enjaulado), levei meu sobrinho ao canto onde o lençol cobria a forma geométrica daquele pequeno lago. No trajeto, usei truques retóricos para aumentar a curiosidade do piá (que, a bem da verdade, tinha mais sono do que expectativa).

Com a criança parada em frente ao mistério, puxei o lençol com um gesto teatral - pompa e circunstância - parecendo um mágico de quinta categoria num circo fuleiro, e...

... PQP!!!! Rápido como um super-herói joguei o lençol de volta sobre o aquário, peguei meu sobrinho no colo, desviei sua atenção para outras coisas e levei-o para o canto oposto da sala dizendo: “vamos brincar com aqueles brinquedos lá, são bem mais legais, aqui não tinha nada não, era só uma maluquice do tio”.

Ainda muito pequeno para se ligar na incoerência dos meus gestos, ele sorriu e ficou entretido com os outros presentes enquanto eu voltava desolado para o aquário. Ao puxar o lençol senti novamente o calor que estragou minha noite por algumas noites: um defeito no termostato fez a água aquecer demais. Os peixes estavam mortos.

Meu sobrinho parecia não ter se dado conta de nada - mas nunca se sabe, crianças são esponjinhas, absorvem tudo...  Nah, acho que não rolou trauma, não. Hoje ele já é adulto,  médico. Que eu saiba, nunca teve chiliques em frente a vitrines de petshop, pratos de salmão grelhado ou quando a chaleira chia. Menos mal.

Eu... confesso que nunca mais senti o mesmo prazer olhando aquários.


(*)

- Qual a moral da história? 
- Quem disse que toda história tem moral?
abraços
02out2012


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