Ao contrário do que possa parecer, são raros os comediantes que imitam bêbados, gays, o Papa JP II, Lula e Sílvio Santos. A imensa maioria dos comediantes imita comediantes que imitam bêbados, gays, o Papa, Lula e Sílvio Santos. A diferença é sutil mas fundamental. São vários os degraus dessa escada que desce até chegarmos em comediantes que imitam comediantes que imitam comediantes que imitam comediantes que imitam comediantes que... já nem sabem o que estão imitando.
O mesmo pode ser dito de... quase tudo. Guitarristas de blues, por exemplo. Alguns poucos dão voz ao sentimento; a maioria evoca o som de outros guitarristas que, estes sim, sentem o blues. Outros exemplos: cantores de reggae, bateristas de heavy metal, amantes, políticos, pastores, rabinos, centroavantes, compositores... ops, compositores? Não deveriam criar? Sim, deveriam. Num mundo perfeito, criariam.
Não vai aqui nenhuma censura. O cantor de reggae desespiritualizado pode soar bem. O centroavante sem instinto pode fazer gol. O comediante que imita imitações pode até ser mais engraçado do que o imitador original: cada elo que se soma à corrente vai exagerando a caricatura, aproximando a performance do nonsense. E o absurdo pode divertir. Às vezes só se quer isso: que entretenha.
Mas este ex-tocador de contrabaixo que vos escreve deve admitir que, cada vez mais, está interessado na origem e nos originais: o centroavante que sabe antes dos outros aonde a bola vai, o humorista que uniu inspiração e transpiração para sacar os tiques e o ritmo do personagem que imita, o guitarrista que toca cada nota na primeira pessoa do singular, o compositor que... compõe. Por mais imperfeito que seja o produto final, é essa fagulha primeira que me interessa.
Essa faísca fugidia é a estrela guia que procuro nas noites que, com frequência, me confundem. Na minha arte e no meu ofício, fardado e à paisana, na vida pessoal e profissional, busco relações claras e verdadeiras ou relação nenhuma. As poucas que consegui compensam os vários fracassos de ruas sem saída, paz de cemitério e inimigos na trincheira.
Um prazer que compensa toda mão de obra de embarcar em novas parcerias, novos desafios, é buscar o centro de originalidade do novo momento, o núcleo duro do novo ambiente. Sem comparar com o que passou nem prever o que virá (quando ouço comparações sobre as várias fases da minha carreira me sinto como se estivesse ouvindo um grego gago e grogue falar - nunca usei um momento como regra para outro - cada instante tem sua magia, mesmo que seja a magia de esperar).
Um prazer que compensa toda mão de obra de embarcar em novas parcerias, novos desafios, é buscar o centro de originalidade do novo momento, o núcleo duro do novo ambiente. Sem comparar com o que passou nem prever o que virá (quando ouço comparações sobre as várias fases da minha carreira me sinto como se estivesse ouvindo um grego gago e grogue falar - nunca usei um momento como regra para outro - cada instante tem sua magia, mesmo que seja a magia de esperar).
Não é tão fácil quanto parece buscar e manter a conexão com o que há de mais forte dentro de nós. Há que escutar o que não é dito. E toma tempo! Um tempo que, às vezes, não queremos ter. Um tempo que não podemos parar nem fazer andar mais rápido. A única coisa que podemos fazer com o tempo é escolher o que fazer com ele. Mostre-me alguém que reclama não ter tempo pra nada e te mostrarei alguém que pensa ter tempo pra tudo. Querer agarrar o mundo com as mãos é a melhor receita para ficar de mãos vazias.
Se a resposta, meu amigo, is blowing in the wind, uma hora a gente respira este ar e, então, the answer, my friend, está dentro de nós.
Se a resposta, meu amigo, is blowing in the wind, uma hora a gente respira este ar e, então, the answer, my friend, está dentro de nós.
(*)
Bah: Escrevi os versos abaixo para uma música que Bebeto Alves me mandou. Não sei se eles seguram a onda na folha fria (na tela frenética), sem o suporte da melodia. Ler não é fácil para quem escreveu. Mas...
prenda minha
são tantas e tão diferentes
essas vidas da gente
centenas sem igual
prenda minha
são tantas e insuficientes
essas vidas da gente
centelhas pelo ar
não há quem segure
a fagulha se espalha
que seja eterno
este fogo de palha
sem pressa e pra sempre
bocas e braços
distantes diamantes
beijos e abraços
joia rara
foi bom te encontrar
prenda minha
são tantas e tão diferentes
essas vidas da gente
centelhas pelo ar
não há quem segure
a fagulha se espalha
que seja eterno
este fogo de palha
sem pressa e pra sempre
bocas e braços
distantes diamantes
beijos e abraços
prenda minha
foi bom te encontrar
com a originalidade sempre
repetida e renovada
um abraço