tent'entender a minha ironia
se eu disser que já sabia
Num intervalo de poucos dias recebi dois convites para escrever orelhas de livros. Fiz com gosto pois eram projetos originais e interessantes.
Um dado irônico: o número de leitores da orelha tende a ser maior do que o número de leitores do livro. Pela lógica, haverá mais pessoas que lerão a orelha mas não lerão o livro do que o contrário. Pra aumentar a ironia: se a orelha for mal escrita, desestimulando a leitura do livro, maior será (a seu favor) a desproporção entre o número de leitores deste e daquela.
Esse devaneio abriu a porta e meu espírito escapou... foi vagar no jardim das ironias.
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“Ironias do destino” é uma expressão que parece humanizar o imponderável. Pessoalizando, tira um pouco da truculência que as reviravoltas podem ter. Imagino o Sr Destino (hey, não é um nome absurdo, parece Justino, Severino, Firmino, Celestino...) com um senso de humor afetado, escondendo com a mão o sorriso de uma boca sem lábios sob um bigode atemporal e bem aparado - um bigode mais francês do que gaúcho.
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Enquanto ouvia um executivo de gravadora chorar as pitangas pelo fim da indústria fonográfica (segundo ele, causado pela pirataria), eu observava, na parede atrás dele, os pôsteres dos mais festejados artistas do cast : um grupo cujo principal instrumento era o shortinho da dançarina e um padre. Nada contra sexo ou religião, só que... ah, vocês sacaram a ironia do destino, né?
Imperadores nunca se dão conta de que impérios caem por uma conjunção de causas externas e internas.
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Ironicamente, alguns veículos de comunicação que, com muita frequência, me convidam para falar de futebol raramente noticiam minhas atividades como músico ou escritor. A lei ali é imutável: cachorro mordendo pessoa não é notícia; pessoa mordendo cachorro, é. O inusitado é que vale. Sempre. Mesmo que a exceção se transforrme em regra.
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Ver gente nos aeroportos carregando seus travesseiros é cada vez mais raro e cada vez mais me espanta. Não quero me meter nos hábitos noturnos de ninguém, cada um com sua dependência (até sou fã do Linus, eternamente agarrado ao seu cobertor). Mas carregar travesseiros sem proteção, com a fronha exposta, por aeroportos, aviões, táxis e lobbies de hotel, além de anti-higiênico, me parece uma exposição muito grande de fragilidade. Pouca coisa é tão íntima quanto o suporte da nossa cabeça enquanto dormimos.
Por ironia, na última vez que presenciei tal exposição de delicadeza, quem protagonizava a cena era um adolescente com boné de aba reta, tênis de esqueitista desamarrado e calça com cintura baixa expondo a cueca. A meiga dependência do travesseirinho não combinava com a linguagem corporal um tanto insensível do menino. Lembrei do título de um filme: os brutos também amam.
é muito engraçado
que estejam do mesmo lado
os que querem iluminar
e os que querem iludir
bah : querem saber qual eram os livros para os quais escrevi as introduções? Vou deixar que os autores lancem. Seria a ironia das ironias se um escritor de orelhas não reconhecesse seu lugar na história.
abraços
04set2012