COISAS DAS QUAIS EU POUCO ENTENDO
E
SOBRE AS QUAIS NADA DEVERIA FALAR
PARTE 3 : CHARME
Atletas perfilados para a execução do hino antes do jogo. A câmera passeia pelos rostos. Alguns, tensos. Outros, aparentemente relaxados. Quase todos focados. Game face.
A maior parte dos jogadores finge ignorar que a câmera os transformará num 3x4 que preencherá telas de TV por todo o planeta. Um deles encara e, com habilidade inigualável, pisca um olho para a câmera. Meu Deus! Se ele jogar com uma fração desta categoria, tá ganha a partida.
Pensei que estivesse extinto este gesto, que seus últimos praticantes fossem boy bands e baliarinas de programa de auditório dos anos 80 ou, mais recentemente, atrizesmanequinsmodelos no lançamento da revista em que estão nuas na capa. Nestes casos, o piscar de olhos é geralmente acompanhado por inclinação de pescoço (como se a figura estivesse sendo enforcada... e adorando a situação) ou um beijo no ar sobre a palma da mão seguido de sopro para que o ósculo, qual pluma ao vento, voe até o coração receptor. Ah, que coisa linda só que não!
Meros iniciantes, amadores... O piscar de olho a que me refiro foi diferente. Feito por um profissional com dom inato para o gesto.
Comentaristas esportivos costumam chamar os pênaltis muito óbvios de "penalidade máxima de concurso". Pois Ribery -era ele!- mandou uma piscada de olho "de concurso". Deveriam usar o video em aulas para celebridades e cursos preparatórios de candidatos a cargo eletivo - não adianta imprimir um manual pois o piscar de olhos é difícil de explicar/entender além de ser infotografável. Depende do movimento.
Comentaristas esportivos costumam chamar os pênaltis muito óbvios de "penalidade máxima de concurso". Pois Ribery -era ele!- mandou uma piscada de olho "de concurso". Deveriam usar o video em aulas para celebridades e cursos preparatórios de candidatos a cargo eletivo - não adianta imprimir um manual pois o piscar de olhos é difícil de explicar/entender além de ser infotografável. Depende do movimento.
Parece fácil. Creiam, não é. Há que ter os músculos certos no lugar certo e com a flexibilidade exata para não parecer um tique nervoso, um esgar. Há que ter o ritmo, dar a sensação de que nunca havia passado pela cabeça a ideia de piscar o olho, que foi uma reação espontânea à visão, repentina, dos olhos da pessoa para quem a piscada é direcionada. Muito mais difícil, imagino, executar o gesto para uma câmera de TV - essa abstração que, ao mesmo tempo, não é ninguém e é todo mundo.
Mas Ribery é francês, talvez isso explique sua habilidade. São séculos misturando requinte e grossura - segundo os clichês culturais, franceses fazem os melhores perfumes e carregam pães sob a axila suada, né?
Antes de ser expurgado por bagaceirice, o gesto - majoritariamente masculino - de piscar o olho teve seu auge em tempos pré-www, em situações que exigiam rapidez na criação de um vínculo (uma garota que está lá fora, na parada de ônibus, enquanto o cara tá sentado na janela - uma pedestre que passa pelo pedreiro que constrói um muro e… ok, ok, talvez pedreiros tenham a tradição de serem bem mais explícitos do que um singelo piscar de olhos na sua admiração ao sexo oposto, geralmente usando palavras nada sutis).
É consenso que os tempos digitais são ralos, superficiais. Talvez não sejam tanto nem para tudo. As redes socias, por exemplo, onde as pessoas escancaram suas vidas - nem sempre de forma real, muitas vezes de forma editada - fazem um piscar de olho parecer muito pouco. Comparado ao excesso de informação de um perfil digital, a informação cifrada de um piscar de olho parece coisa de iniciados.
Mais uma arte que se foi para sempre. Talvez Ribery seja seu último guardião.
um abraço
sem piscar de olho
pois não faço bem
30abr2013